CARTA ABERTA
Começamos esta carta fazendo uma afirmação importante: na luta política, esquerda e direita existem e são categorias políticas fundamentais na orientação das disputas que travamos em defesa dos nossos projetos estratégicos de sociedade. A esquerda é progressista, desacomodada, transformadora, defende e encarna as demandas das minorias e maiorias oprimidas e exploradas, defende o meio ambiente e os direitos humanos em todas as suas dimensões e é absolutamente republicana. A direita é essencialmente elitista e conservadora e submete seu ideário a esta essência.
Em tempos de crise de paradigmas político-ideológicos é compreensível que também estas categorias políticas, esquerda e direita, diluam-se no enredo do fim da história. Contudo, definitivamente, a história não acabou. Se a esquerda socialista assistiu contrariada a restauração do capitalismo nos países do antigo bloco soviético após a queda do muro de Berlim em 1989, a direita capitalista também assistiu contrariada a estatização de bancos privados e até da General Motors em 2009, vinte anos após a inauguração do discurso triunfalista da supremacia da economia de mercado.
A realidade econômica e política alterou-se bastante nos últimos vinte anos. A esquerda socialista, em seus setores amplamente majoritários, adaptou-se com maior ou menor facilidade ao neoliberalismo. A doutrina neoliberal ortodoxa, por sua vez, foi enterrada pelas condições objetivas a partir da crise econômica mundial de 2008. Neste quadro, as forças conservadoras buscam edificar um novo discurso, uma nova doutrina, um novo paradigma. Mas enquanto não conseguem fazer o ajuste fino na sua “nova” política, como se constata nos recentes encontros do Fórum Econômico Mundial de Davos, governam salvando o que podem das elites do capital, mesclando as duas doutrinas capitalistas que hegemonizaram a ordem mundial desde a grande crise de 1929: keynesianismo e neoliberalismo.
É dentro desta moldura mais geral da conjuntura que queremos localizar as disputas políticas em Pernambuco. Quem são as forças políticas de direita e quem são as forças políticas de esquerda? Quem são os liberais ortodoxos, porta-vozes da antiga ordem, soterrados pela realidade objetiva? Mais importante: quem são os “novos” liberais, a nova direita, que dialoga com as novas demandas do capitalismo decadente e busca legitimar-se politicamente com uma retórica que agrada e engana espíritos honestos da esquerda?
Em Pernambuco está muito nítido quem são os porta-vozes do passado, da antiga ordem. O DEM, liderado por Marco Maciel, é a face mais visível desta direita e carrega consigo para o ostracismo figuras como Jarbas Vasconcelos (PMDB). O desenvolvimento do debate eleitoral e político vai mostrando que estes já não têm sequer discurso para se cacifar, no mínimo, como oposição eleitoral.
Está nas mãos do atual governador e candidato à reeleição, Eduardo Campos, liderar a recomposição das forças conservadoras que precisam e estão se adaptando a um discurso mais moderno e adequado à manutenção da hegemonia do capitalismo que perpetua esta sociedade excludente e desumana. Eduardo Campos e seu PSB tem em torno de si hoje em Pernambuco figuras como Inocêncio Oliveira, Severino Cavalcante, Joaquim Francisco, Sergio Guerra, Fernando Bezerra Coelho, dentre outros. No plano nacional, agrega forças como Ciro Gomes, Paulo Skaf (FIESPE) e mantém estreita relação com Aécio Neves do PSDB mineiro.
Será que todas estas figuras emblemáticas da velha política e da direita estão passando por um processo de esquerdização? Claro que não. As ações práticas do governo Eduardo Campos mostram que não há contradições.Na saúde, privatizam-se as UPAs e novos hospitais. Para tanto, esmaga-se a conferência de saúde e se desmoraliza o conselho estadual de saúde. Desmonta-se o SUS, uma das maiores conquistas da esquerda brasileira. Retorna assim o patrimonialismo que tanto lutamos para fazer refluir.
Na educação privatizam-se escolas, em parceria com grandes empresas. Enquanto cria uma nova escola privada, que o governo chama de referência, para atender à construção de um exército de reserva para as novas demandas do mercado de trabalho, este mesmo governo abandona a grande maioria das escolas, professores e estudantes. Esta maioria não está sendo tratada sequer como exército de reserva e é incentivada a ingressar em programas de aceleração da formação para que fiquem o menor tempo possível na escola. É assim o programa Travessia, Se Liga e Acelera e outros, bonitos na retórica, mas perversos na estratégia real. Nossa juventude está sendo descartada e a educação que recebem se resume a um pedaço de papel que chamam de diploma. Ou seja, analfabetismo funcional e nada de formação cultural e humanística.
Na segurança, institui-se uma concepção mercenária de policiamento. Os policiais recebem prêmios por cabeça não assassinada. O governo não investe na formação e qualificação das polícias. As últimas turmas de policiais formados foram às ruas com cerca de 1/3 do tempo de formação das antigas turmas. Menos de vinte horas de aula sobre direitos humanos. Some-se a isto os baixíssimos salários e vemos o porquê da situação fácil de criminalização da pobreza e dos movimentos sociais.
O governo Eduardo Campos até hoje não aderiu ao PNDH3 (Plano Nacional de Direitos Humanos). Até hoje não respondeu às demandas legítimas da nova gestão da TV Pernambuco. Na economia, a mesma lógica de concentração de renda preside a administração dos investimentos em SUAPE e na estruturação da Copa do Mundo. O meio ambiente nunca foi tão agredido. Uma usina nuclear está sendo pleiteada pelo governo para Pernambuco sem um mínimo de discussão democrática. É a potencialização do capitalismo mais perverso: crescimento econômico agressivo e ampliação das desigualdades sociais.
Mas mesmo este capitalismo perverso faz o PIB de Pernambuco crescer e isto se reflete no orçamento público do estado. De 2007 a 2010, o orçamento estadual cresceu praticamente 100%. Saímos de cerca de R$ 10 bilhões em 2006 para R$ 19,7 bilhões em 2010. Onde está sendo investida esta riqueza? Nas condições de vida da população é que não está. Pernambuco tem o 5° pior IDH do Brasil; paga o pior salário da educação do Brasil; a maioria da população não tem acesso a saneamento, situação que não se alterou com tantos investimentos públicos e privados aumentando o orçamento público.
Em nossa avaliação, os investimentos estão sendo canalizados para o fortalecimento da figura pessoal do governador, na sua perspectiva de ser liderança não só estadual, mas nacional, de um projeto de reorganização das forças de direita. Portanto, o governador candidato não está apenas disputando uma reeleição, mas a liderança de um projeto mais amplo, em que não busca apenas vencer seus adversários nesta eleição. Precisa subjugar seus aliados com potencial de insubordinação. Não está em questão apenas derrotar Jarbas e sua coligação, pois estes já foram derrotados pela história.
Eduardo Campos quer uma vitória esmagadora sobre seus adversários de hoje e de amanhã. Os potenciais adversários de amanhã estão em setores da esquerda que não estão no seu palanque, como o PSOL, mas também na sua própria base de apoio e são exatamente aqueles que conferem tons de esquerda à aparência desta coligação.
É esta estratégia que explica o governo do estado priorizar tanto ações na região metropolitana, agindo quase que como prefeitura, impondo sua marca fortemente com propaganda, com obras de pedra e cal, UPAs, Hospitais, maquiagem em Santo Amaro, intervenção na Ilha de Deus, em que o governador candidato não consegue disfarçar querer transformá-la em sua Brasília Teimosa e assim ter o que mostrar nos embates futuros. É esta estratégia que explica a imposição de Joaquim Francisco, ícone do conservadorismo pernambucano, ex-PFL, hoje no PSB, como primeiro suplente de Humberto Costa, na chapa ao senado. O governador candidato está fechando todos os espaços que possam perturbar seu plano.
É visível que o governador candidato tentou chefiar todas as lideranças mais emblemáticas do voto de esquerda da região metropolitana, mas não conseguiu. Tentou cooptá-las aconchegando-as em seu governo, mas não conseguiu. Agora, tenta sufocar estas lideranças, impondo a todos uma vitória eleitoral em 2010 que lhe confira condições para dar um salto de qualidade em sua influência na região metropolitana do Recife. A desproporcionalidade com que “apresenta” os proporcionais do PSB na região metropolitana é também parte deste plano.
As forças de esquerda em nosso estado, os espíritos progressistas e transformadores, precisam estar atentos a esta realidade. Precisamos construir alternativas, caminhos. Após as eleições o que sobrará da verdadeira esquerda pernambucana? Quem e quais serão as referências da esquerda?
O PSOL tem compromisso com a reorganização das forças de esquerda e populares em nosso estado e no Brasil, e está buscando fazer a sua parte. Mas esta tarefa não é só do PSOL, e nosso partido não tem pretensões exclusivistas neste processo. A reorganização da esquerda deverá ser ampla, arejada, plural, mas realmente transformadora, devendo partir das reivindicações populares mais sentidas, da necessidade de avançarmos na democratização real da gestão pública. Fazemos um chamado a esta reflexão e à ação concreta nas eleições e no cotidiano da vida sofrida do nosso povo.
Coordenação da campanha de Edilson Silva ao governo de Pernambuco
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